domingo, 18 de março de 2012

Serra do Japi: desejos de metrópole e pensamentos provincianos




Jundiaí é a cidade onde nasci e moro, hoje quero falar sobre um problema que não é só dela...

Por Rita Foelker

A questão dos condomínios que surgem nas barras da Serra do Japi no município de Jundiaí/SP, pressionando a vida animal a se arriscar nas ruas, estradas e fios elétricos do meio urbanizado, não parece, numa primeira análise, afetar o reino dos seres humanos.
Podemos estar muito envolvidos em nossas teses sobre urbanização, nossos conceitos técnicos e posições partidárias, para enxergar outros lados da questão. E quando alguém declara que sabe o que está fazendo com nossas matas e Áreas de Proteção Ambiental (APA’s), tem uma série de argumentos a seu favor.
Pode parecer também que “o meu empreendimento”, “o meu edifício” e “o meu hotel” são muito pequenos para comprometer o equilíbrio do planeta. Além do quê, a engenharia vem concedendo segurança suficiente para irmos adiante com nossos meios de fazer dinheiro. Que mal pode haver nisso?

Muito!

O apelo à vista para a Serra do Japi serve para vender apartamentos há muitos anos. O “ar puro” e a Natureza atraem paulistanos cansados de residir na capital, cansados de viver numa cidade imensa e repleta de problemas, por ter crescido sem planejamento, ter inchado sem um pensamento sustentável e uma infraestrutura condizente como base.
Jundiaí pode caminhar para o mesmo destino. De acordo com o blog Voto Consciente, “Jundiaí, [...] que convive com problemas sérios de infraestrutura, com engarrafamentos e um sistema de transporte público que deixa a desejar, vai ganhar mais 60 mil novos moradores nos próximos quatro anos, número que era previsto para os próximos 15 anos. Uma estimativa feita com base nos processos que tramitavam em 2010 na Prefeitura de Jundiaí, de 16.694 novos apartamentos para aprovação. Sem contar com os processos de aprovação que deram entrada em 2011 e os vários prédios comerciais que apontam pela cidade”.
Se assim for, significa que estamos nos tornando uma grande cidade com todos os problemas humanos e sociais das grandes cidades, mas, além disso, ainda ameaçamos a reserva biológica e áreas de manancial nela contidas. Crescemos em número, nosso patrimônio ambiental (nossa reserva de vida) diminui! E isso só acontece porque pensamos, não com nosso cérebro ou nosso coração, mas com nosso estômago – que tudo quer digerir para nutrir exclusivamente a si mesmo, independente do quão irracional possa ser e de quem se prejudique com nossos atos.

O mundo não é uma soma de pedacinhos

Segundo denúncia publicada no Estadão, em 4 de fevereiro de 2012, ocorre em Jundiaí um “fenômeno semelhante ao que já ocorreu com a ocupação da Serra da Cantareira na zona norte da capital, nos anos 1990. No distrito do Parque Eloy Chaves, ao lado da Rodovia dos Bandeirantes, por exemplo, os primeiros prédios de 10 andares começaram a chegar em 2008 e não param de se multiplicar.”
A Associação Mata Ciliar, fundada em 1987, afirma que em cada 10 animais recebidos diariamente para cuidados, grande parte provém da região da Serra do Japi. “Os motivos são diversos: atropelamento, choque elétrico, invasão de áreas urbanas. Mas a causa é sempre a mesma: a expansão urbana desordenada” – lê-se no site da ONG.
Eis o perigo de pensar pequeno, de não entender as implicações graves de nossas atitudes. Ao pensar dessa forma estamos dentro de um círculo de raciocínios baseados numa visão fragmentada da realidade: de que algumas pessoas podem agir no mundo sem que outras sejam afetadas. Ou, ampliando mais, de que alguns seres podem agir no mundo sem que os demais seres sejam afetados. Crê-se que o Universo é uma somatória de pedacinhos, sem qualquer ligação uns com os outros, e que mexer num pedacinho não altera os outros pedacinhos nem nos afeta negativamente.
Infelizmente, essa filosofia ainda comanda nossas decisões econômicas e políticas, em muitos lugares. Mesmo que as bolsas da Europa influenciem as nossas cotações e negociações no Brasil, não usamos esse fato para compreender a interconexão entre eventos numa escala mundial. Parece que continuamos provincianos, no modo de pensar e agir.

Pensar pequeno ou grande?

Pensar de um modo provinciano, para efeito deste artigo, é olhar apenas para um pedaço da realidade, aquele que parece nos cercar imediatamente e nos influenciar com exclusividade, sem olhar para o que está no entorno, e no entorno do entorno. Mundialmente, já sofremos graves prejuízos desse modo de pensar e decidir: preconceito, exclusão, guerra, fome, escravidão e semiescravidão, aquecimento global, chuva ácida, mesmo com todas as demonstrações de que não se compromete o equilíbrio da Natureza impunemente.
O problema é que aquele que representa um partido ou uma empresa tenderá sempre a pensar de modo fragmentado. Num dado momento, ele precisará agir em função do interesse de alguns à revelia do bem estar de todos. Ou então terá de buscar outra atividade em que possa pensar na ecologia do planeta como um todo. Eis um dilema que as pessoas de nosso tempo são levadas e enfrentar. Segundo Leonardo Boff, nessa crise que o mundo vive está em jogo a continuidade da vida e o futuro da civilização: “Estimo que a origem próxima [da crise] se encontra no paradigma da modernidade que fragmentou o real e o transformou num objeto de ciência e num campo de intervenção técnica. Até então a humanidade se entendia normalmente comO parte de um cosmos vivente e cheio de propósito, sentindo-se filho e filha da Mãe Terra. Agora ela foi transformada num armazém de recursos. As coisas e os seres humanos estão desconectados entre si, cada qual seguindo um curso próprio. Essa virada produziu uma concepção mecanicista e atomizada da realidade que está erodindo a continuidade de nossas experiências e a integridade de nosso psiqué coletiva.”
Boff lembra-nos ainda, de modo muito pertinente, de que a Terra pode continuar sem nós, humanos; mas nós não podemos continuar sem ela. Eis aqui uma realidade global inescapável, muito além das visões provincianas, que não podemos evitar enxergar.

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